Se antigamente o lema era “quem casa quer casa”, hoje, nada disso é visto como algo obrigatório na trajetória das pessoas, que igualmente não se prendem mais a um emprego ou a uma cidade. Em tempos de liquidez, estar livre de compromissos é fundamental para transitar pela economia globalizada. Os fundos imobiliários fazem parte deste cenário.
Por Jean Tosetto
Quem nasceu na década de 1970 pertence à última geração que recebeu instrução formal na escola sem o advento da Internet. São pessoas que chegaram ao mercado de trabalho com uma silenciosa e arrebatadora revolução na comunicação e nos costumes em andamento, sendo construída a cada clique na rede mundial de computadores.
Estes, talvez, sejam os profissionais com as maiores dificuldades para se encaixarem num mundo cada vez mais multicolorido e multifacetado, onde suas crenças arraigadas na infância e juventude estão desmoronando.
Os setentistas foram educados para confiar em diplomas universitários que lhes garantiriam longas carreiras e que estes pedaços de papel definiriam o que eles fariam até se aposentarem. Eles também foram educados para adquirir a casa própria e para estabelecer relações duradouras, baseadas no casamento tradicional.
Entre a tradição e a modernidade
Em suma, essa geração foi concebida nos estertores de um mundo sólido, que em poucas décadas tornou-se um mundo líquido, no qual prender-se a um emprego, a um casamento ou a uma casa, deixou de fazer sentido.
A dificuldade para lidar com isso também é perceptível nos investimentos via mercado financeiro. Quem é quarentão neste final de segundo decênio do século XXI, lembra dos tempos áureos da renda fixa e ainda tem receio de mergulhar nas águas da renda variável.
A recomendação, neste caso, é começar a investir pelos fundos imobiliários. Eles são menos voláteis e menos líquidos que as ações, mas representam uma alternativa inteligente para quem cresceu ouvindo, dos pais e avós, que investir em imóveis é um caminho seguro para compor renda complementar na aposentadoria.
Até que a volatilidade os separe
Para compreendermos melhor a liquidez de um imóvel tradicional com a liquidez de uma carteira de fundos imobiliários de igual valor, vamos contar a história fictícia do casal Venceslau e Ana Catarina.
Eles se casaram muitos jovens, pois Ana engravidou aos 16 anos de idade e os pais de Venceslau não aceitariam criar um neto fora do matrimônio. Como incentivo, os futuros avós se cotizaram para comprar um terreno para o casal, que ali construiu uma casa de dois quartos, que logo foi ampliada com uma suíte.
O jovem Romeu cresceu e largou a faculdade de engenharia mecatrônica para fazer sua vida nos Estados Unidos. Com o ninho vazio, Venceslau e Ana Catarina perceberam que nada os mantinham presos numa convenção e resolveram se separar. Para tanto, decidiram vender a casa para repartir o patrimônio.
Logo, eles anunciaram o imóvel, que ficava num bairro de classe média de uma cidade pequena do interior, por R$ 480 mil. Por causa da recessão da economia, após seis meses sem receber propostas eles baixaram o preço para R$ 440 mil.
A longa espera
Quando finalmente apareceu um comprador, com uma carta de crédito do banco, a documentação da casa foi rejeitada. Havia projeto aprovado e alvará de construção, mas faltava o Habite-se, a CND da Receita Federal e a averbação da construção na matrícula do lote.
Para regularizar a situação do imóvel, o casal divorciado contratou um escritório de engenharia indicado pela imobiliária, que levou mais três meses para colocar tudo em ordem, por um custo aproximado de R$ 10 mil reais que, porém, não foi incorporado ao valor do anúncio.
Finalmente surgiu uma nova oferta. O corretor conseguiu um comprador para a casa, desde que ela fosse vendida por R$ 420 mil. Negócio fechado. A corretagem ficou em 5%, pois a imobiliária deu um desconto, recebendo um cheque de R$ 21 mil pelos serviços prestados.
Por se tratar de venda financiada, o dinheiro só caiu na conta quando a escritura foi reconhecida pelo cartório de registro da matrícula do imóvel, três semanas depois. Como Venceslau não atualizava o valor do imóvel na Declaração Anual de Imposto de Renda, mesmo com as sucessivas melhorias na casa, o ganho de capital apurado foi maior do que o real.
Salvo exceções previstas em lei, o ganho de capital com a venda de imóveis implica no recolhimento de 15% do valor apurado para a Receita Federal. No fim do mês seguinte à venda da casa, uma DARF no valor de R$ 13 mil foi paga por Venceslau. Dos R$ 386 mil que sobraram, cada um ficou com R$ 193 mil.
Caminhos distintos
A despeito da taxa básica de juros do Brasil ter caído severamente, Venceslau depositou o dinheiro que sobrou da compra de um furgão no Tesouro Selic, e seguiu sua vida trabalhando como operador de turno na fábrica de tintas, indo morar na edícula da casa de seus pais.
A empresa anunciou que vai transferir suas instalações para outro estado, por causa dos incentivos fiscais. Neste caso, Venceslau prefere ficar na sua cidade, para fazer as entregas da mercearia de seu tio.
Ana Catarina fez diferente: montou uma carteira com quatro fundos imobiliários, que lhe rendiam, em média, R$ 1.250 por mês, dos quais ela usava R$ 600 para pagar o aluguel de uma quitinete e o restante ela reinvestia em novas cotas, ao passo que suas vendas de marmitas veganas cresceram a ponto dela formalizar sua MEI, para poder dar nota fiscal para pessoas jurídicas.
Por ter um passaporte europeu, graças à sua cidadania polonesa reconhecida, Ana Catarina foi aprovada num concurso de bolsas de um instituto de gastronomia na região da Lombardia, norte da Itália. Nessa altura dos acontecimentos, seus fundos já lhe rendiam passivamente cerca de R$ 1.400 por mês. Com os 500 euros mensais da bolsa, que duraria um ano, ela deixou o Brasil para trás, a despeito de saber que viveria com severas restrições na Europa.
Ordens de venda
Na Itália, Catarina conheceu Isabella. O entrosamento foi tamanho que elas se tornaram sócias e montaram uma delicatessen na Flórida. Para não ter problemas com a Receita Federal no Brasil, Ana resolveu extinguir sua residência fiscal no país, vendendo sua carteira de fundos imobiliários para investir nos REITs norte-americanos. Romeu, o filho, estava lhe dando suporte nesta fase de adaptação.
Ana Catarina lançou quatro ordens de venda para seus fundos, numa segunda-feira. Em vinte minutos ela vendeu 80% de sua carteira. Em menos de uma hora, mesmo com um montante de R$ 230 mil em jogo, vários compradores anônimos, via Home Broker, haviam zerado as cotas de Ana.
Detalhe: a corretagem por ordem de venda ficou em R$ 4,50 que, somados com os emolumentos da Bolsa, fizeram Catarina pagar menos de R$ 30 por todas as operações. Na manhã da quarta-feira seguinte o dinheiro estava em sua conta, sendo remetido para os Estados Unidos através de alguns cliques no smartphone.
Como na venda dos fundos imobiliários também houve ganho de capital, cuja alíquota de imposto de renda é de 20%, Ana Catarina recolheu R$ 2.400 sobre os ganhos aferidos com a valorização das cotações dos fundos que ela manteve em sua carteira, após o divórcio.
Leitura de cenário e adaptação
Venceslau e Ana Catarina nasceram num mundo sólido que se liquefez em poucos anos, na velocidade das linhas discadas da Internet e depois na velocidade 4G. Enquanto algumas pessoas ainda se agarram aos paradigmas de antigamente, outras fazem a leitura do momento e vão se adaptando.
Não é questão de afirmar que o mundo líquido, tão bem retratado pelo sociólogo Zygmunt Bauman, é melhor ou pior do que o mundo da era analógica. Porém, na era digital, precisamos estar preparados para agir com uma nova mentalidade, com senso crítico para nos proteger daquilo que julgamos nocivo aos nossos mais profundos valores essenciais.
Como membro da geração setentista, posso atestar que os fundos imobiliários compõem um ótimo instrumento para nos trazer tranquilidade em momentos de transição, e agilidade para resolver imprevistos. A capacidade dos FIIs de gerar renda passiva responde pela tranquilidade crescente para o investidor, ao passo que a liquidez deles, quando comparada com a liquidez dos imóveis tradicionais, responde pela agilidade cada vez mais necessária que um indivíduo deve ter numa economia globalizada.