Veja: “A liminar que virou assunto em todo o mercado Imobiliário”
O mercado imobiliário foi surpreendido por uma liminar na última semana, mais precisamente, quarta-feira, dia 15/04.
Não que uma simples liminar conseguisse movimentar todo o mercado, mas esta liminar trouxe com ela a insegurança compatível com um buraco negro e que poderá mudar negativamente todas as relações jurídicas locatícias.
Mas por qual razão um juiz concedeu uma liminar desta forma? E qual o perigo, caso esta decisão seja mantida?
Para entender a pergunta e tentar respondê-la, vale ponderarmos o que está ocorrendo no Brasil e no mundo.
Por conta das restrições decorrentes do COVID19, muitas atividades empresariais foram, de um dia para o outro, destruídas. Destruição é a palavra correta. “Fechar” uma loja, um restaurante, é muito mais “light” do que o que está ocorrendo. Mas vamos tentar não trazer o assunto “quarentena” para a conversa… vamos focar na tal liminar.
Por conta desta destruição, setores que comprovadamente tiveram, estão tendo e terão prejuízos estão buscando renegociar contratos e, entre estes contratos, estão inclusos os contratos de locação.
Até aí, tudo fácil de entender. Razoável!
Porém, infelizmente alguns brasileiros continuam vivendo na era “dos espertos”, razão pela qual o primeiro trabalho efetivo é separar “os que realmente precisam” dos “oportunistas”, estes últimos que estão buscando tirar proveito do momento.
E é aí que mora nosso problema. Os oportunistas estão impedindo, indiretamente, que boas negociações, aquelas que realmente estão objetivando viabilizar a ajuda para quem precise, sejam frutíferas.
Seria como classificar todo um grupo de pessoas (no caso o dos locatários, buscando renegociação de seus contratos de locação) como oportunistas.
Mas esta não é a verdade. Muitos locatários demonstram seus prejuízos, suas dificuldades e fragilidades. A ideia é exatamente esta: negociar! Apesar de locatários e locadores não serem sócios, a situação financeira saudável de ambos é muito importante para manter a boa e longa parceria das partes.
Pois bem… um escritório de advocacia (pasmem, justo um escritório de advocacia de grande porte), em causa própria, processou o locador do imóvel onde está instalado seu escritório (pasmem novamente…na Avenida Brigadeiro Faria Lima), afirmando que, por conta da pandemia, precisa de um desconto (pasmem pela terceira vez… desconto, não diferimento) por três meses.
E qual foi o susto do mercado imobiliário? O susto, o que deixou a todos indignados, é que uma atividade que pode e faz home office (tanto que elaboraram e deram andamento à ação judicial em questão), foi um dos primeiros a ajuizar uma ação discutindo a locação comercial de seu escritório, antes mesmo de completar o primeiro mês de quarentena, ressaltando que no mês de março/2020, durante a primeira quinzena, não havia qualquer decreto sugerindo restrições relativas à quarentena. Não se trata de loja, não é hotel, não é comercio: é um escritório!
Então, lá fomos todos analisar quais provas de decréscimo de faturamento foram efetivamente juntadas ao processo para justificar a concessão de uma liminar dessa natureza.
Adivinhem?! Nenhuma!
Não há uma prova sequer que comprove o prejuízo financeiro do tal escritório de advocacia em decorrência da pandemia.
Mas vamos supor que existissem provas. Pouco importariam também. Contrato de locação não é relação de consumo. Não existe parte hipossuficiente, muito menos quando se trata de um prédio comercial na Faria Lima.
O locatário não pode ou não quer arcar com o valor integral da locação? Ótimo! Rescinda, pague a multa e desocupe. Simples assim!
Porém, o juiz concedeu a liminar e autorizou a suspensão da exigibilidade de 40% do valor da locação, por três meses, sem lastro em provas efetivas e sem fundamentação jurídica relevante.
Provavelmente ele escolheu qual das duas partes deveria ter prejuízo, presumindo (incorretamente) que a parte mais forte neste caso seria o locador, utilizando critérios incabíveis e inaplicáveis ao caso. Porém, assim o fazendo, trouxe a mais pura e complexa insegurança jurídica para as relações locatícias. O juiz considerou que o locador, por si só, pode e deve perder parte de sua receita, como se não precisasse dela. Ignorou que existe todo um sistema jurídico financeiro entrelaçado, batalhando para se manter vivo e seguro neste momento. Inclusive nele se enquadra o locador!
Não pensou que, como consequência deste raciocínio, idosos – por exemplo – que planejaram suas aposentadorias contando com aquele complemento de renda advinda da locação de seus imóveis, serão prejudicados, pois nem todo dono de imóvel é uma empresa ou, ainda que o seja, nem toda empresa locadora é a parte mais abastada da relação. O perigo é este: o que hoje ainda é apenas uma liminar, poderá vir a ser a regra.
Tudo isso nos faz lembrar a época dos distratos, que rescindiam contratos irrevogáveis e irretratáveis. Vamos torcer para que a história não se repita. Vamos impedir que bizarrices jurídicas continuem ocorrendo. Vivemos em sociedade e temos uma pluralidade de relações jurídicas que devem ser respeitadas, ainda mais agora!
Fernanda Mustacchi é uma advogada com especializações em Parcelamento de Solo Urbano (Loteamento) e Direito Imobiliário Empresarial pelo SECOVI, Organização de Negócios Imobiliários e Investimentos Imobiliários pela Fundação Getúlio Vargas, especialista em questões jurídicas aos Shopping Center pelo Insper (2017), formada em Direito pela Universidade Paulista em 2001.
Atuou na área imobiliária do escritório Navarro Advogados e no departamento jurídico da Kara José Incorporação de Imóveis e Vendas Ltda. e da Multigrain Comércio, Exportação e Importação Ltda.
Possui larga experiência na estruturação jurídica de projetos na área imobiliária (incorporações e loteamentos), inclusive envolvendo fundos de imobiliários, bem como na elaboração de contratos diversos, tais como, construção, locação atípica (built to suit), locação em geral, compra e venda de imóveis, alienação fiduciária, auditorias imobiliárias e elaboração de pareceres na área imobiliária.