Como os players de mercado estão negociando durante a pandemia
Esse texto foi desenvolvido por Julia Arruda Botelho, CEO & Sócia fundadora da matchpoint, uma empresa especializada na gestão de ativos imobiliários.
Desde o início dessa pandemia, o que mais observamos são locadores sendo abordados por seus locatários pedindo concessões em seus contratos de locação (descontos, diferimentos, prazos para pagamento etc.).
O medo, as incertezas do futuro e os impactos já vividos (e futuros) dessa crise fazem com que pessoas físicas e empresas tentem diminuir despesas a qualquer custo, inclusive aluguéis, e, portanto, procuram seus locadores para solicitarem auxilio.
Desta forma, conversamos com alguns locadores/players de mercado sobre como eles estão lidando diante desses pedidos. A seguir os depoimentos que recebemos.
“Os últimos 2 meses foram marcados pela continuidade da pandemia do COVID-19 e das políticas de isolamento social adotadas para conter a disseminação do vírus. O cenário de incerteza e a forte desaceleração econômica impactaram significativamente os preços de FIIs transacionados em bolsa e contribuíram para uma volatilidade de dividendos a curto e médio prazo. O momento exige cautela e, em nossa visão, estimula estratégias voltadas à proteção de capital e resiliência.
Do ponto de vista da manutenção de ativos, temos mantido contato frequente com os condomínios dos imóveis de nosso portfólio de maneira a estimular reduções de custos condominiais sempre que possível. O esforço busca complementar a saúde financeira de nossos inquilinos e se torna ainda mais importante durante o atual cenário de pandemia. Todas as administradoras condominiais de todos os imóveis da carteira foram capazes de viabilizar reduções de custo no mês de abril e maio. Imaginamos que os descontos devem se manter para os meses em que ainda tivermos a situação de isolamento.
Em relação às locações, a equipe de gestão do PATC11 vem trabalhando ativamente junto aos inquilinos e aos ativos do portfólio, de maneira a mitigar os potenciais efeitos relacionados ao COVID 19. Do ponto de vista da gestão dos contratos, não foi adotada nenhuma política padrão de negociação das condições dos contratos de locação, sendo que analisaremos eventuais demandas caso a caso. Estamos em contato com nossos locatários para entender os impactos da pandemia em seus negócios, especialmente com aqueles que atuam em segmentos mais afetados pela crise. Analisamos eventuais ajustes nos contratos vigentes de forma a auxiliar nossos inquilinos, reforçando o foco em relações de longo prazo.
Ao final de abril, o Fundo possuía apenas 2 inquilinos (representando 5,4% da receita total do PATC11) cujos aluguéis foram parcialmente diferidos para o segundo semestre de 2020. Não estamos trabalhando com descontos efetivos no valor de locação para nenhum inquilino, mas sempre com diferimento do valor do aluguel, geralmente facilitando o pagamento em 3 ou 4 parcelas. Assumimos o compromisso com todos os nossos cotistas de divulgar mensalmente mais informações sobre eventuais acordos e status das conversas com os locatários.”
Fernanda Rosalem – Gestora do PATC11 (Pátria Investimentos)
“Desde o início do período mais crítico da crise do Coronavírus, na fatídica quarta-feira de cinzas, no dia 26/02/2020, o mercado financeiro, em geral, passou a entrar em um ambiente de extrema volatilidade e aversão a risco. Naquele momento os Fundos Imobiliários tiveram um primeiro forte impacto, com quedas expressivas nas cotações.
Todavia, nos ativos imobiliários em si, esse sentimento de incerteza demoraria ainda por volta de 2 a 3 semanas para chegar a nós, principalmente, na forma de solicitações de renegociações com os inquilinos dos fundos. Chegaram até nós, informações de que gestores de Fundos Imobiliários já haviam recebido diversas solicitações nesse sentido, mas aqui na RB, o movimento demorou um pouco mais a chegar.
Analisando a situação, para nós fica claro que este atraso foi importante. Nos deu tempo suficiente para prepararmos um plano de ação, que delimitaria como trataríamos cada caso, inclusive acompanhando o que estavam dizendo as autoridades e os órgãos de classe.
As solicitações começaram de fato a chegar e, desde o início, nos colocamos à disposição para conversarmos com todos os inquilinos. Reforçamos que iríamos estudar todas as eventuais solicitações de forma detalhada.
A responsabilidade fiduciária que temos perante os cotistas nos coloca em uma posição de cautela para tomar qualquer decisão em situações nesse sentido.
De imediato nosso plano era solicitar informações que embasassem a existência de uma realidade de hipossuficiência financeira destes inquilinos, causada diretamente pela pandemia do Coronavírus e as consequentes medidas que foram tomadas para seu combate.
A medida em que fomos recebendo esses dados, relatórios, cartas e projeções das empresas, separamos os casos em três blocos distintos:
- Pleitos que faziam sentido e que estaríamos dispostos a continuar as negociações.
- Casos em que precisaríamos de mais informações e argumentos que comprovassem a real necessidade do pleito.
- Solicitações em que entendíamos que não faria sentido evoluirmos com a renegociação, pois não havia fundamentos sólidos de que a empresa tivesse sido severamente impactada pela realidade socioeconômica atual.
E assim continuamos a tratar cada uma das solicitações. Com interações diárias com os inquilinos e com acompanhamento próximo de cada um dos setores que temos exposição nos Fundos Imobiliários.
Dentre as saídas que encontramos em alguns fundos, quando consideramos que de fato seria fundamental algum tipo de flexibilização, destacamos:
- Negociação de diferimento de 50% no aluguel, por três meses, com o equacionamento acontecendo ainda em 2020, nos últimos três meses do ano.
- Diferimento de 20% por dois meses, condicionado ao aumento das cláusulas de multa, aviso prévio do contrato e equacionamento ao longo de 2021.
- Utilização de recursos que estavam em caução para pagamento dos aluguéis por três meses, com a cobertura dos valores pelos inquilinos nos seis meses subsequentes.
A princípio, para os contratos do tipo Built-to-Suit, que possuímos nos fundos, ainda consideramos ser prematura qualquer flexibilização, considerando os setores de atuação das empresas.
Por fim, vale destacar que também tivemos um caso em que informamos que o pleito não fazia sentido dadas as condições do setor de atuação da empresa, e mesmo assim o inquilino optou por inadimplir os contratos. Neste caso, acabamos seguindo nos processos regulares de cobrança e o locatário, após cerca de 30 dias, optou por regularizar a situação.”
Marcio Rocha – RB Capital Asset Management
“Em decorrência da pandemia do Novo Coronavírus (COVID-19), decretada em 11/03 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), iniciamos um período de intensa procura, por parte dos inquilinos, para renegociação dos contratos de aluguel. Essas negociações concentraram-se inicialmente nos setores mais relacionados ao comércio de serviços não essenciais, mas hoje já atingem outras esferas de atuação.
A queda de faturamento ou incertezas na economia não foram os únicos argumentos apresentados para a redução no aluguel. Para as locações em escritórios, há uma nova percepção quanto a ocupação do espaço em decorrência da implementação forçada e abrupta do home office em tempos de isolamento social. Há também uma maior preocupação quanto ao distanciamento físico dos colaboradores de presença indispensável nos escritórios, um contraponto para a demanda por espaços. Ainda não é de conhecimento a extensão e perpetuidade dessas novas relações de trabalho, mas a discussão torna-se cada vez mais presente nas pautas de administradores e gestores de empresas sobre como melhor conduzirem a ocupação física em seus escritórios.
O setor de comércio/varejo também experimenta as mudanças de comportamento decorrentes do isolamento social. Estudos relacionados já apontam alterações sobre como, o que e porque consumimos. Dessa forma, torna-se inevitável os efeitos nos contratos de locação do setor, ainda que temporários.
Detalhamento das negociações
Atuando em todos os casos como representante dos proprietários, as negociações foram feitas sempre considerando as particularidades de cada contrato. Entre elas:
- A capacidade de cada proprietário, independentemente de ser ou não parte hipossuficiente;
- O setor de atuação de cada inquilino, bem como os principais impactos conhecidos no momento da negociação; e,
- Potenciais fragilidades pré-existentes no contrato em vigor.
Em todo o caso, limitamos que as condições acordadas compreendessem o pagamento de até 3 meses de aluguel. A estratégia propunha reavaliar esses acordos conforme os desdobramentos da pandemia.
As negociações iniciaram- em sua maioria – por contato estabelecido por parte do inquilino, com exceção de um de nossos clientes cujo portfólio é concentrado em um mesmo local, com inquilinos que se relacionam entre si. Ainda assim, as concessões foram feitas apenas no segundo mês de pandemia. Considerando que o período de quarentena no estado de São Paulo foi mais uma vez renovado, surge então um segundo movimento dos inquilinos pleiteando a extensão das condições pactuadas até o momento.”
Ana Carolina Pereira – Mogno Capital
“Estamos seguindo alguns procedimentos e uma linha de atuação conforme exposto a seguir:
Todas as demandas são avaliadas e para serem analisadas as empresas devem nos enviar:
- Balancete do 1 tri ou bimestre
- Demonstração do resultado do mesmo período
- Carta do CEO e CFO explicado a situação da empresa
Procedimento que estamos adotando:
- Para empresas de varejo (cafés e lojas, principalmente) estamos bem mais propensos a ajudar no fluxo de caixa. Nesses casos postergamos 100% dos aluguéis durante 3 meses a serem pagos em 6 meses, importante ressaltar que a exposição a varejo é irrelevante no nosso portfólio.
- Para algumas empresas especificas, concedemos de 25% a 30%, de postergação durante 3 meses, sendo que o pagamento deve ser feito dentro do ano de 2020
- Importante que condomínio e IPTU dessas empresas estão em dia, caso contrário, não conseguimos colaborar nas concessões.
- Contratos com vencimento até o primeiro semestre de 2020, aceitamos converter em desconto até 30% por 3 meses se o contrato for estendido de 12 a 18 meses, esse desconto se converterá em multa rescisória.
- Abrimos mão de receber a multa rescisória de saída para inquilinos com contratos defasados e ponto nobre (Amauri 305), nesse caso esperamos dobrar o valor dos aluguéis.
Volume da demanda:
- 90% dos inquilinos nos procuraram
- Concedemos postergação de pagamento para 40% das demandas
- Estamos discutindo uma extensão de contrato que tem vencimento em 2021, mas ainda não finalizamos as tratativas.
Caio Castro – RBR
Formada em Ciências Econômicas na PUC- SP, Julia Botelho possui 17 anos de experiência no mercado imobiliário.
Atualmente é responsável pela prospecção e atendimento de clientes pessoas físicas e jurídicas (incluindo fundos imobiliários) na gestão operacional e estratégica de seus portfólios imobiliários. Alguns clientes atendidos são: Rio Bravo, Veirano Advogados, BTG, RecargaPay, Sogest e Família Arruda Botelho.
Iniciou sua carreira profissional na JLL, uma multinacional de consultoria imobiliária, para estagiar na área de Consultoria, Avaliações e Pesquisa. Após um ano e meio aceitou o desafio de trabalhar na área comercial, especificamente no departamento de Vendas & Investimentos. Durante os próximos anos, a Julia teve a oportunidade de trabalhar em diversos projetos de venda dos mais diversos tipos (industrial, varejo, escritórios etc.) e clientes. Após um grande processo de reestruturação na área de transações, assumiu a gestão da área de escritórios Brasil, sendo responsável pela entrega de projetos de locações e vendas, representando tanto ocupantes como proprietários. Em busca da realização de um sonho desligou-se da JLL e após alguns meses, em setembro de 2018, abriu a matchpoint.