FII e Fiagro ganham com novas regras do mercado?
FIIs devem ser beneficiados com decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) sobre novas emissões de CRIs e CRAs .
O mercado de Fundos Imobiliários (FIIs) e Fundos de Investimento em Cadeias do Agronegócio (Fiagros) vai se beneficiar ou ser prejudicado pelo aperto nas regras do Conselho Monetário Nacional (CMN) para a emissão de novos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs)?
A visão predominante entre analistas de mercado e juristas especializados no setor é que a decisão anunciada na semana passada, apesar de alguma turbulência, deve ser benéfica para fundos que adquirem esses papeis, ou seja, os FIIs e Fiagros.
A resolução número 5.118 do CMN ajusta as regras dos lastros elegíveis e limita as empresas que podem realizar a emissão desses títulos de dívida, cujos rendimentos são isentos de imposto de renda para os compradores. Na prática, a decisão impede que empresas cuja atividade-fim não sejam os mercados agrícola e imobiliário de realizar as emissões dos respectivos certificados.
Os CRIs e CRAs são títulos privados de dívida atrelados a indexadores, como o CDI ou o IPCA, que têm como principal atratividade para seus compradores o fato de que seus rendimentos são isentos de Imposto de Renda. A maioria dos fundos imobiliários de papel têm como principal fundamento a negociação de CRIs, enquanto os CRAs são objetos preferenciais dos Fiagros.
O mercado acredita, de forma geral, que as emissões devem ser reduzidas, ao menos no curto prazo, com a limitação das empresas que poderão adotar esse formato de captação de recursos. E que, enquanto isso, os investidores devem buscar outros ativos com isenção de imposto de renda, como acontece com os dividendos distribuídos por FIIs e Fiagros. “Possivelmente veremos uma valorização desses papéis em estoque no mercado secundário”, aponta o Gustavo Biava, sócio-fundador e diretor de Investimentos da ID Gestora.
Mozar Carvalho, fundador da Carvalho de Machado Advocacia, vê a medida como positiva para os setores que de fato atuam com o agronegócio e o mercado imobiliário como atividade-fim, ou seja, um benefício para quem usar de forma correta os incentivos fiscais. “A medida pode contribuir para um mercado de crédito mais robusto. Esse redirecionamento dos recursos para os setores originalmente incentivados pode, portanto, beneficiar o agronegócio e o imobiliário, uma vez que os recursos captados deverão ser mais alinhados com as finalidades que justificaram a criação desses instrumentos”, explica o advogado.
“Os setores agro e imobiliário, bem como os fundos de investimento, saíram beneficiados por essa medida, pois haverá uma procura de investidores, interessados em rendimentos isentos de imposto de renda, de forma que os ativos específicos desses setores sejam mais cobiçados”, completa Marco Aurélio Ferreira, sócio do Martinho & Alves Advogados.
O que diz a resolução do CMN
Martina Zajakoff, sócia da área imobiliária do Machado Meyer, explica que a resolução praticamente elimina dois tipos de operações envolvendo CRI e CRA que estavam sendo realizadas nos últimos anos. Agora, não serão mais permitidas emissões de CRIs e CRAs lastreados em títulos de dívida, como debêntures de empresas não ligadas a esses dois setores.
“As companhias abertas, não imobiliárias, ficam restritas caso queiram ser emissoras, devedoras e garantidoras dessas operações. Outra restrição bem relevante é a questão do CRIs e CRAs para reembolso de despesas, uma modalidade de estrutura muito usada”, afirma Zajakoff.
No caso, antes da nova regulamentação, empresas que emitiam títulos de dívida podiam usar o dinheiro captado para pagar despesas que já haviam ocorrido. Agora, as empresas devem usar o dinheiro desses títulos de forma mais restrita, apenas para despesas futuras relacionadas ao segmento imobiliário ou agrícola.
“A gente tem um desafio para entender como essas empresas vão fazer os seus financiamentos e tomar recursos, mas deve haver um ajuste do mercado. O mais desafiador são aquelas operações que foram paradas no meio, que não tinham sido registradas e tiveram que ser postas em espera”, esclarece a jurista.
Vale ressaltar que a resolução não se aplica a emissões distribuídas ou que tenham obtido registro na CVM antes da sua data de publicação, ou seja, 1º de fevereiro. Segundo o Itaú BBA, na prática, as novas regras devem excluir do rol de devedores de CRIs e CRAs companhias de diversos setores como saúde, educação, varejo, distribuição de combustíveis, bancos, entre outros
Dos 30 maiores emissões de CRAs encerradas no ano passado (que totalizaram R$ 22,4 bilhões, representando aproximadamente 55% das emissões totais de CRAs no ano), cerca de 17 operações (aproximadamente R$ 16 bilhões) não se enquadrariam nas novas regras do CMN, informa o BBA.
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Analista vê tentativa de “colocar mercado no trilho”
Pedro Ferronato, analista de crédito estruturado da Brio Investimentos, acredita que a resolução do CMN tem o objetivo de tentar colocar “de volta ao“trilho” o mercado de emissões de dívidas imobiliárias, a fim de foco no real fomento ao mercado. “Em uma primeira leitura, entendemos que o mercado observará uma importante redução no volume das emissões desses tipos de papéis devido às severas restrições impostas pela Resolução”, projeta o analista.
Sobre as atividades da Brio Investimentos, que gerencia e administra fundos com investimentos em CRIs, o impacto deverá ser neutro ou até positivo, diz Ferronato. O analista destaca que os tipos de CRI no pipeline não são impactados pela nova regulação.
“Como nosso foco está na aquisição de CRI para desenvolvimento de projetos imobiliários residenciais (verticais e horizontais) na cidade de São Paulo, a resolução em nada nos prejudica. Não temos em nosso pipeline qualquer operação de crédito corporativo que venha a sofrer restrições pela norma”, explica Ferronato.
O único possível impacto, segundo o analista, talvez seja seja algum ajuste mínimo no volume dos CRIs para excluir eventual parcela de reembolso do lastro de emissão.
Alice Fulgêncio Brandão, sócia da área de Mercado de Capitais do escritório Cescon Barrieu, concorda que a resolução decidiu apertar a regulação. “A resolução CMN foi certamente uma reação a possíveis abusos e usos indiscriminados desses instrumentos em decorrência de interpretações mais ‘elásticas’ acerca dos lastros. Todavia, as limitações vão, de alguma forma, reduzir o fluxo de recursos destinados aos setores imobiliário e agro”, opina a jurista.
Para Pedro Dafico, analista imobiliário da Suno, o mercado tende a se autorregular diante da nova realidade. “Entendemos que o risco de tributação seja reduzido ainda mais, por reforçar o propósito inicial da criação destes veículos de investimentos. Lembrando que para o estoque atual destes ativos, presentes nos FIIs e Fiagros, não são esperadas mudanças, embora seja possível alguma apreciação por marcação a mercado”, pontua Dafico.
Demanda dos títulos poderá ser suprida com FIIs e demais empresas
Mara Limonge, vice-presidente da Apimec Brasil, acredita que a resolução pode trazer mudanças futuras nos FIIs, principalmente, com as restrições de títulos com lastros em contratos de aluguel em operações que tenham partes relacionadas. “
“Observando o estoque, por exemplo, de fundos imobiliários, existem recursos em alguns fundos de papel que não necessariamente envolvem uma empresa imobiliária. Alguns desses ativos eram de empresas com base em lastro-aluguel”, pontua Limonge.
Segundo ela, é possível que no longo prazo após o vencimento dos ativos, esses tipos de CRIs possam ser substituídos ou ocupados por outros tipos de CRI com lastros tradicionais. “Talvez algumas empresas do setor imobiliário, que não estavam acessando esse mercado, passaram a acessar por falta de papel, mas é um efeito de que não temos certeza, pois essas empresas precisam estar preparadas para entrar no mercado de capitais”, conclui a analista.
Em relatório, a XP diz que ainda é cedo para determinar como o mercado irá agir e em que patamares de taxas as emissões sob as novas normas irão se acomodar. De imediato, já houve cancelamento de captações por diversas empresas que estavam no processo de protocolar suas emissões na CVM.
Para os próximos meses, é esperado que o volume de emissões de títulos isentos diminua, dado o menor número de empresas elegíveis, o que pode levar empresas a optar por outros instrumentos para se financiarem, como debêntures comuns, certificados de recebíveis (CR), notas comerciais ou fundos de investimentos em direitos creditórios (FIDCs), que não contam com isenção fiscal e em geral são mais acessados por investidores institucionais, como fundos de investimentos.
“A consequência lógica é que as companhias vão ter que procurar novas formas no mercado para se financiar, como debêntures, FDICs e outras alternativas que são suscetíveis de tributação”, explioca Marco Aurélio Ferreira, do Martinho & Alves Advogados.
Há o risco, ainda, de que algumas empresas não consigam se adaptar ao novo arcabouço jurídico. “Ao fim, a medida fará com que algumas companhias tenham que recorrer a outros métodos de captação de recursos, como empréstimos bancários, que trazem altos juros e acabam onerando bastante as empresas”, alerta Marcela Zanetti Mascarenhas, do escritório Benício Advogados.
FIIs e Fiagros: projeção de impactos
Raphael Pires, sócio do Cândido Martins Advogados, vê o cenário promissor para as empresas tipicamente do agronegócio. “O setor sairá fortalecido com a alteração, pois a demanda pela aquisição de CRAs irá continuar, mas o número de empresas ofertantes irá diminuir. Então as empresas tipicamente do agronegócio terão condições de negociar melhores taxas para a colocação dos seus papéis”, projeta o especialista.
O Itaú BBA aposta que os investidores de Fiagros têm expressado preocupações quanto à exposição desses fundos a títulos de emissores que não se enquadram mais na nova resolução do CMN.
No entanto, uma análise do portfólio dos maiores fundos do setor aponta que os títulos presentes nas carteiras são provenientes de estruturas que não são afetadas pelas novas determinações do CMN. Isso se deve, em parte, à forma pulverizada de originação de ativos desses fundos, que muitas vezes lidam com empresas fechadas em busca de retornos mais atrativos, comenta o Itaú BBA.
“No mercado secundário, foi possível notar alterações nas taxas negociadas, por exemplo, logo após o anúncio por parte do CMN. Os certificados de recebíveis isentos (CRIs e CRAs) passaram a operar a taxas mais baixas, devido à maior procura pelos títulos de empresas que não poderão mais buscar a isenção fiscal a partir de agora. Devido à marcação a mercado, no curto prazo é possível então notar valorização desses papéis”, explica a XP.
“A resolução do CMN tende a fortalecer FIIs e Fiagros porque estes fundos não foram alcançados pelas medidas e poderão realizar o processo de securitização dos créditos dentro do próprio fundo, além de continuar a negociar suas cotas em bolsa e oferecer isenção do IR nos dividendos”, conclui Gustavo Biava, da ID Gestora.
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